sábado, 31 de março de 2012

- O Sábio e a Ilusão


Era uma vez, um grande sábio cujo nome era Nárada. Seu conhecimento da Unidade da vida era perfeito. Ele conseguia agir sempre de maneira serena e amorosa. Fazia tudo como um presente para Deus. E, quando chegavam à sua vida os resultados de suas ações, ele os recebia com satisfação e agradecimento. Mesmo quando diferiam de sua expectativa ou contradiziam o seu desejo, ele se comprazia com os resultados, sabendo que eles obedeciam às Amorosas Leis Cósmicas. De fato, ele considerava tudo que lhe acontecia como um amoroso presente dado pela Fonte de todo amor. Ele ouvia às pessoas falar da dificuldade de escolher a verdade e de confiar no amor, mas não conseguia imaginar tal situação, tão natural era para ele agir com sabedoria. Uma vez chegou na sua aldeia um respeitado yogui. Todos se reuniram para escutá-lo falar sobre a vida. E a curiosidade de Nárada foi de novo despertada quando ouviu o yogui discursar sobre Maya, a Ilusão ou erro de compreensão que faz com que seres cuja natureza é paz e plenitude possam se sentir ansiosos e carentes, que faz com que seres perfeitos e divinos se considerem limitados e insignificantes. Nárada, não chegava a entender. Para ele tudo era uma dança cósmica de luz e harmonia, não conseguia ficar cego à Presença Divina e muito menos encontrar qualquer sinal da famosa Maya ou Ilusão que enfeitiça os homens. Nessa noite, como de costume, Nárada sentou-se em meditação para deliciar-se com a contemplação do Amado Divino. E, como sempre, o Senhor do Cosmos sentou-se à sua frente para deleitar-se com o néctar de devoção oferecido pelo seu devoto. Depois de alguns momentos em amorosa comunhão, Nárada disse: Amado Senhor, ouvi falar muito da força de Tua Maya, e senti o desejo de conhecer o Jogo da Ilusão. E acrescentou com total confiança na bondade divina: Me concedes isso?. E Deus assentiu sorrindo: Claro, por que não?.Passaram-se algumas horas em vibrante e luminoso silêncio findas as quais Deus, com seu poder onipotente, materializou um cântaro e pediu a seu devoto: -Estou com sede, poderias trazer-me um pouco de água do rio?. Nárada levantou-se graciosamente e feliz de poder servir o seu Amado, percorreu a curta distância que o separava do rio. Chegando na margem, inclinou-se para encher o cântaro. Ouviu então alguns passos e virando-se para um lado pode contemplar a forma mais maravilhosa que jamais tivera visto. Trêmulo de emoção deixou o cântaro no chão e aproximou-se daquela figura feminina de contornos inebriantes. Que rosto! Que olhos! - murmurava fascinado. Percebeu então que o sol despontava no horizonte e o céu explodia em tons dourados e azuis, e pensou Isto só pode significar o amanhecer de minha própria vida!. E, em poucos instantes, aproximando-se da jovem, sua voz apaixonada descreveu poeticamente a intensidade e profundidade de seus sentimentos, e a necessidade absoluta de desposar a bela mulher. Os poucos segundos que se sucederam até a jovem dar a sua resposta, pareceram intermináveis séculos para Nárada. Mas a angústia de seu peito foi colmada de alegria quando ouviu da moça o mesmo desejo de compartilhar as suas vidas. Os anos se passaram. Depois de muito esforço, conseguiram construir uma pequena casa na margem do rio. Algum tempo depois, felizes, comemoraram a primeira gravidez. O primogênito trouxe-lhes grande alegria, assim como o segundo e o terceiro filho. Narada os educava com paciência, e observava com orgulho como eles iam se desenvolvendo. Sua esposa continuava bela, mesmo depois da juventude ter ficado para trás. E, apesar das divergências e freqüentes discussões, o amor entre eles continuava firme e inspirador. Um dia, quando as crianças já tinham chegado na adolescência, o céu ficou escuro muito antes do entardecer. Uma grande tormenta se aproximava. Os três garotos brincavam no rio, numa balsa em cuja construção trabalharam por mais de uma semana. A mãe aproximou-se do rio e pediu para eles saírem. Mas eles, muito confiantes, disseram que estavam prontos para enfrentar qualquer tempestade. A mãe, aflita, correu até onde o seu marido trabalhava a terra e o trouxe consigo até a margem do rio. O pai ordenou as crianças que voltassem, mas já era tarde demais. A tormenta desatava seu furor levantando incontroláveis ondas que sacudiam mortalmente a frágil balsa, a essa altura totalmente fora de controle. Os pais desesperados lançaram-se ao resgate num pequeno barco que possuíam. Lutaram bravamente, mas em vão. O rio engoliu a jangada e as crianças diante do olhar impotente de Nárada e sua esposa. O casal gritava em tremenda aflição e o clamor do seu pranto podia ouvir-se por sobre a voz ensurdecedora da tempestade. Mas, quando a desgraça parecia ter alcançado o seu fim, eis que uma imensa onda varre a superfície do barco arrastando consigo a mulher de Narada. Ele se joga ao rio tentando tirar dele seu último tesouro. Mas seu esforço sobre-humano é em vão. Com o coração partido, consegue manter-se flutuando enquanto a tormenta vai amainando. Finalmente, chega na margem do rio. Com a alma rasgada e o rosto encharcado em lágrimas, Nárada levanta os braços ao céu e, no limite do seu desespero, clama por Deus. Misturando raiva e desolação grita pedindo forças e compaixão. Abrindo caminho entre as ondas emocionais de sua tempestade interior, sua alma agita os céus exigindo compreensão do sentido disso tudo, do sentido da vida. Com o corpo agitado por seu choro, curvado pela a dor em seu peito, Narada não percebe que alguém se aproxima. Mas pode sentir que uma mão toca gentilmente em seu ombro, e pode ouvir quando uma voz serena o chama pelo nome. Levantando o rosto e enxugando as lágrimas vê alguém que conhece, mais não lembra de onde. E esse Alguém lhe diz com um sorriso maroto: Nárada, que fazes? Por que gritas? Estou com sede, cadê a minha água?.

Uma história da tradição do Vedanta recontada pelo Prof. Andrés De Nucciofonte:

Nenhum comentário: