terça-feira, 4 de novembro de 2008

Eu tenho tempo


Hoje ao atender o telefone que insistentemente exigia atenção, o meu mundo desabou.
Entre soluços e lamentos, a voz do outro lado da linha me informava que o meu melhor amigo, meu companheiro de jornada, meu ombro camarada, havia sofrido um grave acidente, vindo a falecer quase que instantaneamente. Lembro ter desligado o telefone e ter caminhado para o meu quarto.as imagens de minha juventude vieram a minha mente,
as conversas até altas horas, os amores, as confidencias, as colas, a cumplicidade, os sorrisos...ahhhhh...Os sorrisos...Lembrei da formatura de um novo horizonte surgindo...
Das lágrimas e despedidas e das promessas de novo encontro. Lembro da feição do melhor amigo que já tive nos seus olhos a promessa que jamais seria esquecido.
E realmente nunca fui. Perdi as contas quantas vezes ele me ligou quando eu estava no fundo do poço. Ou das mensagens que nunca respondi. Ele constantemente me enviava
enchendo a minha caixa postal de esperança e promessas de um futuro melhor.
Lembro que foi o seu rosto preocupado que vi quando acordei da cirurgia, foi em seu ombro que chorei a perda de meu pai, foi no seu ouvido que derramei as lamentações do noivado desfeito. Mas não consigo me lembrar de uma só vez que tenho pegado o telefone para ligar a ele e dizer o quanto ele era importante para mim contar com sua amizade. Afinal eu era um homem muito ocupado. Eu não tinha tempo. Não me lembro de uma só vez em que me preocupei em enviar uma mensagem ou para qualquer outro amigo com o intuito o seu dia melhor. Não me lembro de feito qualquer tipo de surpresa, como aparecer de repente com o coração aberto a ouvir os seus problemas.
Eu não tinha tempo. Não me dignei a reparar que constantemente meu amigo passava da conta na bebida. Achava divertido seu jeito bêbado de ser. Afinal bêbado ou não ele era uma ótima companhia para mim. Só agora vejo com clareza o meu egoísmo.
Talvez e este talvez vá me acompanhar por toda a vida, se eu tivesse saído do meu pedestal e despendido do meu tempo, meu amigo não teria bebido tanto e não teria morrido ao perder o controle do carro que com certeza não tinha a mínima condição de dirigir. Talvez ele que sempre iluminou a minha vida com sua iluminada presença estivesse sentindo sozinho. Até mesmo as mensagens engraçadas que ele deixava na secretaria eletrônica poderia ser um jeito de pedir ajuda que eu simplesmente apaguei.
Estas indagações que nunca mais terão resposta. A minha falta de tempo me impediu de respondê-las. Agora escolho uma roupa preta digna do meu estado de espírito e pego o telefone e aviso o meu chefe que não vou trabalhar hoje e quem sabe nem amanhã?
Talvez nem depois. Pois irei tirar o dia para homenagear o meu amigo. Ao desligar o telefone me vejo entre lagrimas e remorsos, de que para isto, para acompanhar seu corpo sem vida, eu TIVE TEMPO! Já faz muitos anos que escrevi este desabafo no
diário de minha vida. Em parte para aliviar a dor que açoitava a minha alma.
Hoje estou casado, tenho dois filhos e todo tempo do mundo. Descobri que se você não toma as rédeas da tua vida o tempo te engole e te escraviza. Trabalho com o mesmo afinco de sempre, mas somente sou o profissional durante o expediente normal fora dele sou um ser humano. Procuro sempre corresponder com os amigos, lembrando sempre as
pessoas o quanto elas são importantes para mim, abraço constantemente meus irmãos e família. Acompanhei cada dentinho que nasceu na boca de meus filhos, o primeiro passo, o primeiro sorriso, a primeira palavra são momentos, inesquecíveis.
Procuro sempre fugir com minha esposa e voltar ao tempo que éramos namorados.
Esses momentos costumam desaparecer com o tempo, e todo cuidado é pouco.
Preciso cultivar os relacionamentos como uma flor que requer cuidados constantes, mas que brinda com a sua beleza. Nunca mais deixei um amigo sem uma palavra de conforto, ou um inimigo sem uma oração.
Distribuo sorriso e abraço a todos que me rodeiam – afinal para que guardá-los?
Pelo menos uma vez por mês levo minha família a praia, a nossa praia meu amigo querido. Nós a chamávamos de nossa bateria natural. Eu e meus filhos, então lançamos flores ao mar e explico a eles que estou mandando o meu amor a uma pessoa especial.
Explico que esta pessoa foi para o céu e virou um anjo, mas que era um anjo muito sapeca que sempre fugia para esta praia. Sempre que volto para casa, após esse encontro meu amigo, volto carregado de energia e amor. Mas principalmente carrego a certeza de que sempre terei tempo para o amor e suas formas mais variadas.
E sabe de uma coisa, meu amigo eterno: eu sou muito, muito mais feliz!

Autor que eu desconheço

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