quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Estação das Perdas


Há horas em nossa vida que somos tomados por uma enorme sensação de inutilidade, de vazio. Questionamos o porquê de nossa existência e nada parece fazer sentido.

Concentramos nossa atenção no lado mais cruel da vida, aquele que é implacável e a todos afeta indistintamente: As perdas do ser humano. Ao nascer, perdemos o aconchego, a segurança e a proteção do útero. Estamos, a partir de então, por nossa conta.
Sozinhos.

Começamos a vida em perda e nela continuamos.
Paradoxalmente, no momento em que perdemos algo, outras possibilidades nos surgem. Ao perdermos o aconchego do útero,
ganhamos os braços do mundo. Ele nos acolhe: nos encanta e nos assusta, nos eleva e nos destrói. E continuamos a perder
e seguimos a ganhar.

Perdemos primeiro a inocência da infância.
A confiança absoluta na mão que segura nossa mão, a coragem de andar na bicicleta sem rodinhas por que alguém ao nosso lado nos assegura que não nos deixará cair... E ao perdê-la, adquirimos a capacidade de questionar. Por que? Perguntamos a todos e de tudo. Abrimos portas para um novo mundo e fechamos janelas, irremediavelmente deixadas para trás.

Estamos crescendo. Nascer, crescer, adolescer, amadurecer,
envelhecer, morrer. Vamos perdendo aos poucos alguns
direitos e conquistando outros. Perdemos o direito de poder chorar bem alto, aos gritos mesmo, quando algo nos é tomado contra a vontade. Perdemos o direito de dizer absolutamente
tudo que nos passa pela cabeça sem medo de causar melindres.

Assim, se nossa tia às vezes nos parece gorda tememos dizer-lhe isso. Receamos dar risadas escandalosamente da bermuda ridícula do vizinho ou puxar as pelanquinhas do braço da vó com a maior naturalidade do mundo e ainda falar bem alto sobre o assunto. Estamos crescidos e nos ensinam que não devemos ser tão sinceros. E aprendemos.

E vamos adolescendo...ganhamos peso, ganhamos, seios,
ganhamos pelos, ganhamos altura, ganhamos o mundo.
Neste ponto, vivemos em grande conflito. O mundo todo nos parece inadequado aos nossos sonhos ah! os sonhos!!!
Ganhamos muitos sonhos. Sonhamos dormindo, sonhamos acordados, sonhamos o tempo todo.

Aí, de repente, caímos na real!
Estamos amadurecendo, todos nos admiram.
Tornamo-nos equilibrados, contidos, ponderados.
Perdemos a espontaneidade. Passamos a utilizar o raciocínio, a razão acima de tudo. Mas não é justamente essa a condição que nos coloca acima (?) dos outros animais? A racionalidade, a capacidade de organizar nossas ações de modo lógico e racionalmente planejado?

E continuamos amadurecendo ganhamos um carro novo,
um companheiro, ganhamos um diploma. E desgraçadamente perdemos o direito de gargalhar, de andar descalço, tomar banho de chuva, lamber os dedos e soltar pum sem querer.
Mas perdemos peso!!!

 Já não pulamos mais no pescoço de quem amamos e tascamos - lhe aquele beijo estalado, mas apertamos as mãos de todos, ganhamos novos amigos, ganhamos um bom salário, ganhamos reconhecimento, honrarias, títulos honorários e a chave da cidade.

E assim, vamos ganhando tempo. Enquanto envelhecemos.
De repente percebemos que ganhamos algumas rugas,
algumas dores nas costas (ou nas pernas), ganhamos celulite, estrias, ganhamos peso, e perdemos cabelos.
Nos damos conta que perdemos também o brilho no olhar,
esquecemos os nossos sonhos, deixamos de sorrir.
perdemos a esperança. Estamos envelhecendo.

Não podemos deixar pra fazer algo quando estivermos morrendo, afinal, quem nos garante que haverá mesmo um renascer, exceto aquele que se faz em vida, pelo perdão a si próprio, pelo compreender que as perdas fazem parte, mas que apesar delas, o sol continua brilhando e felizmente chove de vez em quando, que a primavera sempre chega após o inverno,
que necessita do outono que o antecede.

Que a gente cresça e não envelheça simplesmente.
Que tenhamos dores nas costas e alguém que as massageie.
Que tenhamos rugas e boas lembranças.
Que tenhamos juízo mas mantenhamos o bom humor
e um pouco de ousadia.
Que sejamos racionais, mas lutemos por nossos sonhos.
E, principalmente, que não digamos apenas eu te amo,
mas ajamos de modo que aqueles a quem amamos,
sintam-se amados mais do que saibam-se amados.
Afinal, o que é o tempo?
Não é nada em relação a nossa grande missão.
E que missão! Fique em Paz!
 
Aila Magalhães

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